A REVOLUÇÃO ENERGÉTICA NOS EUA E O FUTURO GEOPOLÍTICO DO GOLFO PÉRSICO

09/11/2018 15:55

Por José Késsio Floro Lemos, mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Núcleo de Estudos de Política Comparada e Relações Internacionais (NEPI-UFPE).

Ao longo das últimas décadas, os EUA gastaram trilhões de dólares com as guerras no Golfo Pérsico. Em nome da segurança nacional, o país agiu como polícia da região, de garantidor do livre fluxo do petróleo do Golfo para as economias ocidentais. Esta realidade drenou dinheiro, forças militares e recursos políticos. A vulnerabilidade que a dependência do petróleo estrangeiro trouxe ao país, condicionou os movimentos políticos da Casa Branca e afetou diretamente na geopolítica do Oriente Médio. A relação do país com dois dos principais produtores de petróleo da região, Irã e Iraque, foram marcadas por guerras, golpes, revoluções e instabilidade. As Guerras do Golfo (1991, 2003), causaram mudanças na configuração geopolítica do Oriente Médio que são sentidas ainda hoje. Além disso, ajudou a instigar o aparecimento de grupos terroristas como o ISIS. Já com o maior produtor de petróleo mundial, a Arábia Saudita, foi arquitetada uma relação petróleo por proteção. Apesar de mais estável do que as duas outras, a relação positiva da Casa Branca com a monarquia saudita ajuda a oxigenar um dos regimes políticos mais fechados e opressores do mundo.

No entanto, é muito provável que se constitua um turning point nessa dinâmica entre o petróleo, a política externa estadunidense e a configuração geopolítica do Oriente Médio. Afinal, a América retomou o posto de maior produtor de energia do mundo. O desenvolvimento de uma nova tecnologia de extração de petróleo a partir de rochas de xisto tem potencializado a produção interna dos EUA. Segundo estimativas da IEA (International Energy Agency), entre 10 e 15 anos os EUA poderão se tornar autossuficientes em petróleo. Mediante um histórico contexto de dependência do petróleo estrangeiro, caso os EUA consigam esse feito, toda a lógica que orientou a política externa do país no Golfo Pérsico poderá ser reconfigurada. Ademais, o país tem plenas convicções da necessidade de mudar sua forma de agir na região. Afinal, o preço pago foi alto e impopular. E com a diminuição da importância do petróleo do Golfo na sua agenda, o país poderá manobrar com maior cautela e de forma mais pragmática.

Um claro exemplo disso, é a histórica reaproximação entre os EUA e o Irã, selada pelo acordo sobre o programa nuclear do país. Em nenhum outro momento, nas últimas cinco décadas, os EUA ousaram criar litígios com o grande produtor mundial de petróleo – a Arábia Saudita. Pelo contrário, a estabilidade no reino saudita foi uma prioridade na agenda de Washington por várias décadas. O país estava preso nas garras da dependência energética e o peso da Arábia Saudita e da OPEP no mercado mundial de petróleo, já havia sido demonstrado de forma muito contundente no passado. Agora, contudo, a realidade é diferente.

A aproximação dos EUA com o Irã e o fim parcial das sanções econômicas contra Teerã tem criado uma clara insatisfação no reino saudita. Além da histórica rivalidade entre Riad e Teerã, os sauditas temem que a reconstrução da indústria petrolífera iraniana possa encharcar ainda mais o mercado mundial de petróleo, gerando mais competição e derrubando os preços. Além disso, o Irã poderá alavancar consideravelmente suas receitas e fortalecer o seu papel de potência regional, enfraquecendo a influência saudita na região. Portanto, essa realidade tem criado em Riad dúvidas sobre qual será o posicionamento dos EUA nessa questão: se os manterão como o principal aliado no Golfo ou se serão substituídos pelo Irã. A partir dessa desconfiança, o acirramento entre Teerã e Riad parece inevitável e pode reverberar de forma muito negativa nos conflitos da Síria.

Deste modo, percebe-se mudanças nos movimentos políticos dos EUA no Oriente Médio, e consequentemente, começam a aparecer vislumbres de uma mudança na configuração geopolítica da região. Na atualidade, o Irã é visto como uma peça importante na estratégia americana de distanciar os seus aliados europeus da influência russa, imposta pela questão energética. Através da reconstrução da indústria energética iraniana, o país poderá se tornar uma alternativa viável ao mercado europeu de energia através da exportação de petróleo e gás. Os EUA e a Turquia desejam concretizar a construção de uma rede de gasodutos que ligaria a Europa ao Oriente Médio através do território turco, e que também contaria com a participação do Catar, Azerbaijão, Turcomenistão e do Iraque como fornecedores. Este projeto contraria os interesses de Moscou, que certamente, não ficará de braços cruzados.

Por fim, resta acompanhar o desenrolar de importantes questões. Primeiro, como a Arábia Saudita e a OPEP irão se portar mediante a volta do Irã ao mercado mundial do petróleo, após o fim das sanções. Eles manterão a postura de não reduzir suas cotas de produção, atacando assim a indústria estadunidense do tight oil? Ou será que retornarão ao comportamento histórico de reduzir a produção para alavancar os preços?

E quanto aos EUA? Qual será o papel do governo e das petrolíferas estadunidenses para salvar a manutenção do oil boom, caso os preços do barril se mantenham abaixo do custo de produção?

Mediante esse mar de incertezas, é possível afirmar que: independente dos cenários prospectados, o processo decisório dos EUA continuará envolvendo o Golfo Pérsico em razão de sua posição estratégica. Afinal, o petróleo e o gás da região ainda são elementos fundamentais para as relações de poder e para a saúde econômica de muitos dos seus aliados. Ademais, o Golfo Pérsico é uma importante peça geopolítica que pode ser decisiva em conflitos futuros. Sendo assim, as reservas de petróleo do Golfo podem até mesmo perder a importância para os EUA, mas não para o mundo. Por isso, em um contexto de globalização e interdependência, elas continuarão influenciando na política e na economia global. Para os EUA, no entanto, a margem de manobra política cresceu. O país está menos vulnerável e menos dependente. Deste modo, poderá perseguir seus objetivos geopolíticos sem que o agressivo instinto da vulnerabilidade influencie nas decisões políticas dos seus líderes.