A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE OS IMIGRANTES HAITIANOS NO BRASIL

01/12/2018 00:48

Por Cíntia Soares Rodrigues dos Santos, graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás – UFG.

Diante da escassez de bibliografia sobre a opinião pública acerca de refugiados e imigrantes no Brasil, inicialmente será apresentada uma análise de pesquisas sobre opinião pública a respeito de refugiados que já foram realizadas na Europa e nos stados Unidos. Seguindo esse caminho, através de comparações, é possível analisar o cenário no Brasil, apontando as principais variáveis utilizadas para mensurar a opinião pública brasileira sobre os refugiados.

A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE REFUGIADOS NA EUROPA

A questão da migração e a preocupação com as fronteiras ocupa o topo da agenda política em vários países europeus. Só em 2015, mais de 1 milhão de requerentes de asilo solicitaram o estatuto de refugiado na União Europeia. A maioria desses requerentes de asilo chegou de sociedades predominantemente muçulmanas, a saber: Síria, Afeganistão e Iraque (WIKE, STOKES, e SIMMONS, 2016). São pessoas que atravessam o mar mediterrâneo adentrando na Europa pela Turquia, Itália ou Grécia. Chegam em busca de sobrevivência, abrigo e oportunidades para uma vida melhor.

A pesquisa How the World Views Migration encontrou na Europa a percepção mais negativa em relação à imigração: 52,1% disseram que os níveis de imigração deveriam ser reduzidos. Porém, dentro da Europa existem diferenças marcantes nas atitudes entre os países.

Uma análise mais aprofundada foi realizada em 2016, com o objetivo de entender como as preocupações econômicas, humanitárias e religiosas moldam a atitude europeia diante dos refugiados (BANSAK, HAINMUELLER e HANGARTNER, 2016). Foi feito um experimento com uma amostra de 18 mil cidadãos em 15 países europeus que tinham como tarefa avaliar o perfil de 180 mil solicitantes de refúgio que variam entre nove diferentes grupos característicos previamente definidos pelos pesquisadores. O experimento consistia em pedir para os entrevistados avaliarem perfis hipotéticos com diferentes atributos fenotípicos variados aleatoriamente. Os resultados permitiram testar quais características geram apoio ou rejeição aos solicitantes de asilo.

Os resultados sugerem que os Europeus não tratam os refugiados igualmente e preferem candidatos que se encaixam no perfil socioeconômico e cultural do seu país. Na Europa, embora nas pesquisas ainda seja percebida e existência das preocupações humanitárias, outros fatores também possuem grande importância no julgamento da população (WIKE, STOKES e SIMMONS, 2016). As percepções étnicas, raciais, a religião dos imigrantes, as preocupações contextuais com a situação econômica do seu país e o desemprego são constantes na opinião dos europeus sobre imigrantes (BANSAK, HAINMUELLER e HANGARTNER, 2016).

A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE IMIGRAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS

Apesar de os EUA, historicamente, serem um país que consegue integrar imigrantes de diferentes origens na sociedade, a partir de 2001 a imigração começou a ser tratada como uma ameaça à segurança nacional  (DOMÍNGUEZ, 2006). A fiscalização nos aeroportos e fronteiras aumentou e a população muçulmana passou a ser categorizada negativamente (BERALDO, 2016).

Recentemente, pessoas de algumas nações foram proibidas pelo governo de adentrar aos Estados Unidos: Síria, Iraque, Irã, Líbia, Sudão e Iêmen, países predominantemente muçulmanos, o que revela uma associação religiosa ao terrorismo. É notável o fato de que cada vez mais uma ortodoxia anti-islâmica e anti árabe é imposta na América (BEININ,2013). A nova política de imigração apresentada em 2017 pelo presidente Donald Trump também impediu a entrada de qualquer refugiado no país durante 120 dias.

Os imigrantes hispânicos vindos da América Central são a maior preocupação da população estadunidense. As pesquisas mostram oscilações na percepção positiva sobre receber essa população (REINHART, 2018). Antes de 2007, a opinião de que os imigrantes trabalhavam mais e que contribuíam positivamente para a indústria e economia do país era maior (SEGOVIA, DEFEVER, 2010) . Na última década, o que aconteceu foi a difusão da ideia de que os imigrantes trazem drogas, violência e criminalidade para o país.

A OPINIÃO PÚBLICA SOBRE ESTRANGEIROS NO BRASIL

A pedido da Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (SECOM/PR), em julho de 2015, o Ibope realizou uma pesquisa para saber a opinião da população sobre a vinda de estrangeiros para o país. Neste período, a presença dos haitianos era a mais percebida entre os brasileiros (IBOPE, 2015).

A pesquisa consta com uma amostra de 1000 brasileiros de 16 anos ou mais, com acesso a telefone fixo (51%) e celular (49%). Procedimento amostral: método PPT no primeiro estágio através dos números de telefone e por cotas de sexo, idade, grau de escolaridade e ramo de atividade no segundo estágio. Nível de confiança de 95% e erro de ± 3%. Os relatórios das pesquisas estão disponíveis na página da SECOM/PR.

  • As variáveis dependentes

As variáveis dependentes buscam identificar os fatores determinantes na percepção das pessoas sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil, se é visto como algo positivo ou negativo e porquê. E se a entrada destas pessoas deve ser combatida pelo poder público e porquê. As estatísticas descritivas de cada uma das variáveis dependentes encontram-se nas tabelas a seguir:

A quantidade de pessoas entrevistadas que acham que a vinda de estrangeiros para o Brasil é positiva (43,3%) é maior do que os que apresentam uma visão negativa. Porém, a pergunta do questionário em si, é bastante neutra e não consegue identificar qual “estrangeiro” é bem-vindo. Considerando as análises do histórico de migração no brasil apresentada no item anterior, pode-se inferir que ao ser questionado sobre a recepção de “estrangeiro”, o entrevistado no momento pode ter se recordado da categoria de estrangeiro que o Brasil mais recebeu ao longo da história: o europeu, o asiático ou o norte-americano.

Em 2015, de acordo com a opinião pública, o número de estrangeiros no país era grande e ainda estava aumentando, e de fato este número aumentou. A partir de dados da Polícia Federal é possível perceber que a quantidade de imigrantes registrados no país cresceu 2,6 vezes em 2015 em relação aos dez anos anteriores (MILESI, 2016). Ou seja, em 2015 o Brasil começou a receber muito mais estrangeiros que recebia antes e a população identificou este fenômeno no seu dia-a-dia. Na pesquisa Ibope, ao serem perguntados sobre a quantidade de estrangeiros no Brasil, 67.10% dos entrevistados responderam que o número de estrangeiros aumentou.

Os dados de registros de estrangeiros mostram que os números aumentaram a partir de 2014, com a onda de haitianos que chegavam ao país (MILESI, 2016). Apesar disto, o Brasil tem pouco imigrante comparado ao resto do mundo, a presença de estrangeiros representa apenas 0,4% da população (TEIXEIRA, 2018) e é uma das menores do mundo, inclusive entre os países da América do Sul. O que acontece é que a falta de preparo para receber os imigrantes levou à uma situação de rejeição para com os estrangeiros e criou uma imagem de uma crise migratória muito maior do que realmente é, visto que o Brasil ainda tem uma das menores taxas de imigrantes do mundo atualmente.

Em 2015, cerca de 15 mil haitianos registraram entrada no Brasil (CONARE, 2018) e se assentaram em diferentes estados do país através do visto humanitário concedido pelas autoridades especialmente para os haitianos. 4 O visto garante o acesso aos serviços públicos básicos como saúde e educação, e logo passaram a viver o cotidiano do povo brasileiro. Por isso, como demonstrado na Tabela 2 a seguir, a pesquisa apresenta os haitianos como a nacionalidade de estrangeiros mais percebida entre a população em comparação às demais categorias perguntadas: bolivianos, peruanos, chineses, nigerianos, angolanos, coreanos, japoneses, sírios e palestinos.

  • As variáveis independentes

As variáveis de independentes foram compostas por três grupos de análise da relação das variáveis dependentes. Primeiramente as variáveis sócio-demográficas ou estruturais; a população da amostra é descrita em termos de suas características de idade, gênero, escolaridade, renda. 6 O segundo grupo se trata das variáveis políticas clássicas, ou seja, a da avaliação do governo e a percepção da economia do país. O terceiro e último grupo de variáveis independentes são as variáveis midiáticas: O uso de mídia, a atenção às notícias e uso da internet são divididos em frequência e o principal veículo onde se informa.

OS RESULTADOS DO MODELO

Poucas variáveis incluídas nos modelos alcançaram significância estatística. A idade, a escolaridade e a renda mensal utilizadas como variáveis de controle ilustraram que pessoas mais jovens, mais escolarizadas e com maior renda são os que melhor aceitam os imigrantes. Foi estimado um modelo logístico multinomial para avaliar a percepção dos brasileiros sobre a vinda de estrangeiros para o país. Os resultados podem ser vistos nas Tabelas 3 e 4 a seguir.

Uma das explicações para isso é a preocupação com a situação econômica e avaliação do governo federal, pois ao contrário deste grupo socioeconômico, os entrevistados com rendas mais baixa e menos escolaridade temem competir com imigrantes no mercado de trabalho e na utilização de serviços públicos como saúde e educação. No que tange às variáveis midiáticas, foi possível identificar os veículos de informação mais utilizado no acesso à informação sobre a crise dos refugiados haitianos em 2015.

CONCLUSÕES

É importante ressaltar algumas variáveis notáveis na pesquisa, a idade e o nível de escolaridade: a maioria das pessoas que concordam com a vinda de estrangeiros são jovens entre 16 e 24 anos e 54% com ensino superior completo. Por outro lado, 41% das pessoas disseram achar negativa a vinda de estrangeiros.

A preocupação com a economia do país é um fator constante. As políticas públicas para a recepção e acolhimento de refugiados custam aos cofres públicos. Este fator auxilia na explicação do fato que 54% das pessoas entrevistadas na pesquisa do IBOPE acreditam que as políticas de imigração ilegal adotadas pelo governo são insatisfatórias.

Os efeitos médios do modelo de regressão logística multinominal com os dados da pesquisa sugerem que estrangeiros de origem africana ou haitiana eram percebidos de maneira mais negativa pela opinião pública, dando a entender um preconceito racial e de origem na forma em que os imigrantes são categorizados pela população. Em contraste a isso é encontrado um efeito mais positivo na recepção de imigrantes europeus e norte-americanos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BADRE, Thiago. Desastres Ambientais – O Cenacid e o Terremoto no Haiti. UFPR, 2010.

BANSAK, K.; HAINMUELLER, J.; HANGARTNER, D. How economic, humanitarian and religious concerns shape European attitudes toward asylum seekers. Science, 2016.

BEININ. Joel. A vigilância anti-muçulmana. Le Monde Diplomatique. 2003. Disponível em:< http://diplomatique.org.br/a-vigilancia-anti-muculmana/>. Acesso em: 18. Jul. 2018.

BERALDO, Lílian. Depois de atentado do 11 de setembro, EUA mudaram forma de encarar imigrantes. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2016-09/depois-de-atentado-do-11-de-setembro-eua-mudaram-forma-de-encarar>. Acesso em: 10 set. 2018.

COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS (CONARE). Caminhos do refúgio. Disponível em: <http://caminhosdorefugio.com.br/tag/conare/>. Acesso em: 31 jul. 2018.

DÍEZ, Beatriz. A caravana de refugiados da américa central que está em um limbo legal na fronteira entre o México e os EUA. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43952043 >. Acesso em: 10 set. 2018.

DOMÍNGUEZ, J. Latinos and U.S. foreign policy. Harvard University, Weatherhead Center for International Affairs, p .1-46, 2006.

ESIPOVA, Neli et al. How the World Views Migration. Gallup. 2015. Disponível em: < http://www.iom.int/files/live/sites/iom/files/pbn/docs/How-the-World-Views-Migration Gallup-flyer.pdf> Acesso em: 26. Jun. 2018.

FERNANDES, D.; MILESI, R.; FARIAS, A. Do Haiti para o Brasil: o novo fluxo migratório. Cadernos de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania. p. 73-98, 2011

MATEUS, Sandra. As classificações classificam os classificadores? Notas sobre os processos de categorização na construção de conhecimento sobre os descendentes de imigrantes. CIES, 2013.

MILESI, Rosita. Haitianos no Brasil: Dados estatísticos, informações e uma Recomendação. IMDH, 2016.

REINHART, RJ. More in U.S. Say Immigration Is the Top Problem. Gallup. 2018.

SECRETARIA ESPECIAL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SECOM/PR). Pesquisa telefônica semanal: ago. 2015.

TEIXEIRA, Lucas B.  O Brasil tem pouco imigrante. Uol. 2018. Disponível em: <https://www.uol/noticias/especiais/imigrantes-brasil-venezuelanos-refugiados-media-mundial.htm>. Acesso em 27. Set. 2018.

WIKE, R; STOKES, B; SIMMONS, K. Europeans Fear Wave of Refugees Will Mean More Terrorism, Fewer Jobs. Pew Research Center, 2016.