A TRANSFERÊNCIA DE ÁGUA DE LASTRO POR NAVIOS COMO UMA AMEAÇA AO ECOSSISTEMA MARINHO E A CONVENÇÃO INTERNACIONAL CRIADA PARA MITIGAR ESSE PROBLEMA

12/04/2019 12:04

Por Alexsander Marques Pupe, Bacharel em Ciências Náuticas pela Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM).


Todos nós sabemos que o mundo de hoje é um mundo bem globalizado, com as relações entre os Estados em alta e envolvendo os mais diversos assuntos. Seja a questão econômica, ambiental, energética ou de segurança, todos os assuntos parecem estar sempre nas mesas de discussões objetivando que acordos sejam feitos cada vez mais e mais em prol do bem de todos. E com o desaparecimento virtual de fronteiras e o livre comércio entre Estados de diversos blocos, de dimensões regionais ou continentais, o transporte marítimo tem se mostrado como uma forma muito útil, prática e econômica de transporte quando falamos em importação e exportação de bens e commodities.

            Mas como praticamente toda grande atividade comercial acaba resultando em impactos ao ambiente por onde ela se dá, um que devemos considerar seriamente é aquele que a água de lastro de navios tem no ambiente marinho costeiro e que tem afetado tanto a vida marinha já existente nesses locais quanto outras formas de exploração das águas de um Estado, podendo elas ser de cunho científico, turístico ou energético.

O que é água de lastro

            Água de lastro é toda aquela água que um navio carrega para manter seguras as suas condições de operação durante uma viagem. Lastrar é colocar essa água em tanques dedicados para tal fim e tem por objetivo reduzir esforços exercidos sobre o casco, melhorar a manobrabilidade e também a propulsão quando este está totalmente sem carga ou parcialmente carregado. Isso o torna mais estável e mantém também a sua integridade estrutural.

            Se lastrar significa carregar água para que um navio sem carga não fique instável, deslastrar é alijar essa mesma água quando ele chega ao seu porto de destino e começa a carregar. Podemos dizer então que a própria carga agora, se bem distribuída a bordo, fará o trabalho de mantê-lo em condições seguras, atendendo aos critérios de segurança pensados desde a sua fase inicial de projeto e também aqueles contidos em regras internacionais.

            No passado, lastro sólido na forma de pedras, blocos de madeira, sacos de areia e outros materiais pesados era usado em embarcações para que elas pudessem navegar sem que sua segurança fosse comprometida. Porém, o embarque desse tipo de lastro consumia muito tempo quando da operação de carga e descarga e criava um risco adicional durante a viagem, pois a movimentação aleatória e repentina poderia fazer com que elas adquirissem uma inclinação muito acentuada e viessem a afundar rapidamente. Portanto, aproximadamente a partir de 1880 a água do mar e também aquela dos rios passaram a ser a fonte para as operações de lastro em navios, dada a sua abundância no meio em que esse transporte navega. Para termos uma ideia, a água de lastro de alguns pode representar 50% da capacidade total de carga que pode ser transportada. Assim, se lastrado ou deslastrado em sua sequência correta, o risco para a sua segurança é praticamente nulo.

Vale lembrar também que operações de lastro e deslastro podem acontecer em diversas outras situações, incluindo aquelas complexas em diques flutuantes e plataformas de içamento de carga pesada, conhecidas como Crane vessels, ou durante mau tempo para dar a uma embarcação uma margem maior de segurança e conforto para sua tripulação, onde tempestades com grandes ondas enfrentadas durante dias em algumas regiões únicas do mundo podem danificar a carga e tornar um pesadelo a vida de todos a bordo. Outro exemplo é quando o navio navega em localidades muito específicas, citando aqui o Canal do Panamá e o Canal de Suez.

O problema e seus impactos

Vamos imaginar um navio que saiu do Brasil carregado com minério de ferro chegando à China. Após descarregar, esse mesmo navio por algum motivo não tem carga na China para trazer ao Brasil e, portanto, ele retorna apenas com água de lastro carregada enquanto descarregava sua carga de minério. Sendo essa água aquela água de dentro da região portuária em que diversos outros navios que chegaram antes vindos de outros portos apenas em lastro deslastraram enquanto carregavam, ao retornar ao Brasil, ele a traz e a despeja em um porto brasileiro enquanto efetua o seu próximo carregamento de minério. Agora vamos imaginar a quantidade de portos existentes no mundo e também a quantidade de embarcações navegando por todos esses portos.

Segundo a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), aproximadamente 80% do volume do comércio internacional é transportado por mar e, de acordo com a International Chamber of Shipping (ICS), esse número gira em torno de 90%. Com esses valores, podemos imaginar o quão forte é o impacto que esse tipo de transporte tem na interação entre a atividade comercial e o meio ambiente.

Estima-se que mais de 12 bilhões de toneladas de água de lastro sejam transferidas ao redor do mundo anualmente. E é uma verdade que alguns Estados costeiros possuem organismos marinhos particulares de sua região e que essa transferência para outras regiões resulta na introdução de espécies invasoras que tendem a mexer com o equilíbrio ecológico do seu novo ambiente. Como esses organismos vivos vão de tamanho microscópico a até alguns centímetros, eles são facilmente aspirados pelos navios enquanto a água é captada pelas aberturas no casco e bombeada até os tanques. Muitos ainda se encontram no estágio inicial da vida, contando com condições propícias para se adequarem ao novo ambiente e se desenvolverem até a fase adulta. Ou seja, muitas dessas espécies têm ciclo de vida que incluem um ou mais estágios planctônicos. Mesmo que na fase adulta não sejam sugadas pelo sistema de lastro das embarcações por serem grandes, elas ainda podem ser sugadas em estado planctônico. E embora nem todos os organismos sobrevivam dentro dos tanques de lastro devido à ausência de luz, falta de nutrientes e variações de temperatura e salinidade, ainda a grande maioria consegue sobreviver e tem o potencial de acabar com a biodiversidade de uma área costeira ou estuarina quando os navios então realizam o deslastro.

Outro fator negativo é que a quase totalidade dessas espécies encontra-se próxima à superfície dos mares, rios e estuários, pois depende de alimentos que ali encontra para sobreviver. Ainda, o fato de algumas poderem formar incrustação no casco, devido à sua imensa área, tornou-se uma preocupação também.

            E não apenas se preocupando com organismos transferidos que possuem grande facilidade para se adaptar a novos locais, vale mencionar também que o problema se torna ainda mais sério porque em certas regiões há a presença de agentes patogênicos, principalmente devido ao despejo de esgoto não tratado, e que constituem por si só uma questão também de saúde pública.

A Organização Marítima Internacional (IMO), uma agência das Nações Unidas (UN) voltada para a prevenção da poluição marinha e segurança da navegação, lista algumas das espécies indesejadas que têm causado mais transtornos para as regiões portuárias e costeiras. Dentre elas, podemos citar o Vibrio cholerae, bactéria causadora da Cólera, que voltou à América do Sul na década de 90 graças a um navio chinês que chegou ao Peru com esse agente presente em seus tanques de lastro. De 1991 a 1994 houve um surto da doença na região, com mortes confirmadas inclusive no Brasil. O Dreissena polymorpha, conhecido também como mexilhão-zebra, é nativo da área próxima à Rússia, Mares Cáspio e Negro e tem afetado desastrosamente o ecossistema e as vias navegáveis dos Estados Unidos, se adaptando muito bem a ambientes novos, sobrevivendo à competição com espécies locais e causando gastos imensos ao país para combater sua ameaça. O Carcinus maenas, ou caranguejo-verde, é outro exemplo. Esse crustáceo comum na costa norte da África e também na parte da Europa banhada pelo Atlântico já pode ser encontrado no litoral da Austrália, sul da África e costa oeste das Américas do Norte e do Sul.

Algumas microalgas também são classificadas como invasoras. Dependendo de fatores ambientais, pode haver um fenômeno natural conhecido como Floração de Algas Nocivas (FAN), que é a proliferação descontrolada a partir de uma população pequena de células microalgais. Essas formações cobrem grandes extensões de água e viajam com o vento e correntes, podendo atingir áreas destinadas à obtenção de recursos naturais e, suspendendo assim, a atividade econômica em uma dada região. Sejam microalgas produtoras de toxinas ou não, elas tendem a alterar propriedades da água como o pH, o odor, a cor e até o gosto. Às vezes referidas como “marés”, tendo cores referentes aos pigmentos sintetizados por suas células, elas tendem a consumir todo o oxigênio dissolvido na água seja por decomposição de células já mortas ou respiração ou até mesmo causar sombreamento, que têm como consequências a mortandade da vida marinha ali existente.

No Brasil ainda temos o exemplo do Limnoperma fortunei, ou mexilhão-dourado, como ele é conhecido. Esse molusco, trazido da Ásia por navios, tem alta capacidade de adaptação e reprodução. Na América do Sul foi identificado na Argentina em 1991, e no sul do Brasil em 1998. Por ser uma praga de água doce e salobra, foi rapidamente se proliferando por grandes extensões de rios e bacias hidrográficas aqui do país, assim como do Paraguai e da Argentina e afetando não só a pesca, mas também a geração de energia elétrica. Isso porque entre os anos de 2001 a 2004 descobriu-se a presença desse bivalve nas Usinas Hidrelétricas de Itaipu, de Sérgio Motta e de Barra Bonita. Os problemas incluem a incrustação nos cascos das embarcações, a obstrução de telas, filtros, tubulações e bombas de água de indústrias e usinas, que tornam a manutenção mais cara e mais frequente, e a disseminação da espécie em forma de larva em alguns reservatórios de água. Descobriu-se também o desaparecimento de espécies nativas dessas localidades.

Esses são apenas alguns, das centenas de organismos que são listados, como espécies invasoras, que causam danos aquele que não é o seu habitat. De pequenos invertebrados até algas, plantas, bactérias, vírus, cistos, esporões, ovos e larvas, muitos compõem essa lista.

Esforços internacionais e ações da IMO para sua mitigação

O exemplo do navio citado acima saindo do Brasil e navegando até a China reflete como o gerenciamento da água de lastro se dava no passado: não havia gerenciamento algum, não havia controle do que era transferido. Com a preservação do meio ambiente recebendo atenção de diversas instituições nas últimas décadas, sejam elas de alcance nacional ou internacional, e com os impactos consequentes de perdas sendo discutidos em encontros, feiras e fóruns, ao longo dos anos houve uma cobrança por parte dos Estados para que fosse buscada uma solução para o problema da água de lastro.

O primeiro pedido ocorreu na Resolução 18 da Conferência Internacional sobre Poluição Marinha ocorrida em 1973, em que o assunto foi levado à atenção da Organização Marítima Internacional e da Organização Mundial da Saúde (WHO). Depois, em 1982, um artigo da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) passou a prever que os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho resultante do uso de tecnologias sob a sua jurisdição ou controle, ou a introdução intencional ou acidental de espécies, sejam elas exóticas ou novas, em uma determinada parte do ambiente marinho, que possa causar mudanças significativas e prejudiciais ao mesmo.

No início dos anos 90, é então criado um Grupo de Trabalho no Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho (MEPC) da IMO para discutir e achar soluções para o problema dos organismos exóticos que ameaçam ecossistemas. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (UNCED) de 1992, em sua Agenda 21, solicitou à Organização voltada para o setor marítimo que considerasse a adoção de regras apropriadas para descarga de água de lastro. Ainda em 1992, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) voltou a afirmar que a transferência e introdução de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos através da água de lastro de navios ameaçam a conservação e uso sustentável da diversidade biológica.

Assim, no decorrer do tempo, reuniões culminaram na elaboração, por parte da IMO, de diretrizes com o objetivo de tratar a questão de forma objetiva, ainda que fossem apenas recomendações de caráter voluntário e não tivessem o grande peso de um tratado com força internacional. Em 1991, foi adotada a Resolução MEPC.50(31) (Diretrizes para Prevenir a Introdução de Organismos Aquáticos Indesejados e Agentes Patogênicos com a Descarga de Água de Lastro e Sedimentos de Navios), primeiros passos para o gerenciamento dessa água. Anos depois foram adotadas duas outras resoluções sobre o assunto: Em 1993 a Resolução A.774(18) (Diretrizes para Prevenir a Introdução de Organismos Aquáticos Indesejados e Agentes Patogênicos com a Descarga de Água de Lastro e Sedimentos de Navios) e em 1997 a Resolução A.868(20) (Diretrizes para o Controle e Gerenciamento da Água de Lastro de Navios para Minimizar a Transferência de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos).

Foi no ano 2000 que a IMO criou o projeto “Remoção de Barreiras para a Implementação Efetiva do Controle da Água de Lastro e Medidas de Gerenciamento em Países em Desenvolvimento” em associação com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNPD) e o Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF). Batizado de “GloBallast”, esse projeto internacional tinha por objetivo dar assistência aos países em desenvolvimento no que tange ao gerenciamento do transtorno causado por esse lastro, almejando reduzir a transferência de organismos nocivos. Utilizando como ferramenta estudos de caso em 6 países em desenvolvimento, serviu para demonstrar as dificuldades e experiências de sucesso de gestão do problema. Suas experiências foram expandidas para os demais países e o projeto evoluiu para o Programa de Parcerias do GloBallast. O projeto é um excelente exemplo de ação direta e de larga escala tomada pela IMO junto com outras entidades internacionais para endereçar a ameaça global à saúde dos oceanos.

Já em 2002, em seu Plano de Implementação, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável clamou por ação em todos os níveis para apressar o desenvolvimento de medidas para lidar com espécies exóticas invasoras em água de lastro.

            Enquanto regras concretas definidas em um tratado internacional não saiam e medidas e ações eram apenas discutidas, os Estados-membros da IMO acabaram por criar, individualmente, suas próprias regras que deviam ser cumpridas por todas as embarcações navegando em suas respectivas áreas jurisdicionais. Tais procedimentos implementados deviam ser possíveis, efetivos e designados para minimizar custo e atrasos em portos, além de serem baseados nas Diretrizes sempre que praticável. Eles, por um tempo, foram as únicas maneiras de prevenir, minimizar e, por fim, eliminar os riscos da introdução de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos por navios que entravam em seus portos.

O Brasil, sentindo seus recursos naturais serem afetados, e com possibilidade de acarretar sérios problemas de ordem econômica, de saúde pública e ambiental, formou grupos multidisciplinares para coletar e estudar amostras de água em diversas localidades. O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) passaram então a pesquisar a dimensão da proliferação causada. Criado no ano de 2003 e gerenciado pelo Ministério do Meio Ambiente, o Plano de Ação Emergencial para o controle do mexilhão-dourado contou com a iniciativa de quase 20 órgãos públicos e empresas privadas como uma Força-Tarefa Nacional. Seu objetivo era tentar conter o avanço desenfreado do molusco por todo o território nacional através de análise do quadro de expansão, medidas de conscientização e ações com o auxílio da sociedade.

Sendo a bioinvasão objeto de preocupação internacional e vendo a necessidade de uma implementação uniforme e global, foi em 13 de fevereiro de 2004, na Conferência Diplomática para Adoção da Convenção Internacional para o Controle e Gerenciamento de Água de Lastro e Sedimentos de Navios, em Londres, na sede da IMO, que finalmente foi adotada por consenso a Convenção Internacional para o Controle e Gerenciamento de Água de Lastro e Sedimentos de Navios. Com um nome extenso, a Convenção é mais conhecida simplesmente como Convenção para Gerenciamento de Água de Lastro (BWM Convention) e tem por objetivo prevenir, minimizar e eliminar os riscos ao meio ambiente, à saúde pública, às propriedades e recursos decorrentes da transferência de organismos aquáticos nocivos e agentes patogênicos através do controle e gerenciamento da água de lastro de navios e dos sedimentos nela contidos, assim como evitar os efeitos colaterais indesejados desse controle e estimular desenvolvimento em conhecimento e tecnologia relacionados.

Esse Documento conta com 22 Artigos, além de um Anexo com regras e diretrizes visando interpretação uniforme e implementação efetiva a nível global. Como a agência especializada das Nações Unidas voltada para a segurança da navegação e prevenção da poluição marítima, muito se esperava da IMO para que esse Documento saísse. Ainda que da data de adoção de uma convenção até a data de sua real entrada em vigor um longo caminho tenha que ser percorrido, esse primeiro resultado é fruto do trabalho de representantes de diversos Estados, assim como das relações diplomáticas envolvidas nas complexas negociações, para que algo tão importante para os dias atuais tomasse forma.

Agendada para entrar em vigor 12 meses após a data em que não menos que trinta 30 Estados-membros, cujas frotas mercantes combinadas constituam não menos que 35% da arqueação bruta da frota mercante mundial, tenham assinado a mesma sem reservas no que tange à ratificação, aceitação ou aprovação, ou tenham entregado na IMO o instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão em conformidade com o Artigo 17 da Convenção, essa é uma prática comum quando falamos de convenções da IMO. Isso acontece para que Estados-membros, entidades do setor marítimo, empresas de navegação e até mesmo a própria indústria naval e de equipamentos ligada à área possam se preparar para atuar conforme o que dizem os documentos.

O Brasil, cuja frota atual representa apenas 0,16326% da arqueação bruta da frota mercante mundial, assinou a Convenção em 25 de Janeiro de 2005. Através do Decreto Legislativo nº 148/2010 de 15 de março de 2010 o Congresso Nacional aprovou o texto. E assim, em 14 de abril de 2010 o Brasil depositou junto à IMO o instrumento de ratificação.

            Com o Documento pronto e à espera de sua entrada em vigor, alguns Estados já começaram a pôr em prática muitos dos itens contidos nela. Como foi o caso do nosso, que assinou a Convenção em 2005 e no mesmo ano criou a Norma da Autoridade Marítima para o Gerenciamento da Água de Lastro de Navios (NORMAM 20/DPC) por meio da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil.

Foi uma medida que teve origem na Resolução MEPC.50(31) e que foi abordada de uma forma mais refinada na Resolução A.868(20) que se mostrou importante e se firmou como uma das medidas transitórias quando da elaboração de uma convenção que surgiria anos depois: a troca em alto mar de água de lastro, realizada bem distante de continentes e ilhas. Ela se dá na forma de substituição dessa água carregada a bordo. Para isso, o navio deve começar e terminar a troca preferencialmente estando a no mínimo 200 milhas náuticas, o equivalente a 370,4 quilômetros, de distância da linha base do Estado mais próximo e em uma área com profundidade de, no mínimo, 200 metros. A distância pode ser reduzida para 50 milhas náuticas caso o navio por algum motivo não consiga realizar a troca fora da zona de 200 milhas náuticas, mas em todo o caso ele deve estar em uma área com profundidade de, no mínimo, 200 metros.

O Estado costeiro pode também designar áreas específicas para que a troca possa ser feita. A troca volumétrica deve ter a eficiência para substituir 95% ou mais da água em um tanque, e assim os organismos ali presentes. Hoje são três os métodos utilizados para se chegar a esse resultado. No primeiro método, conhecido como “Método Sequencial”, a tripulação do navio bombeia toda a água contida nos seus tanques de lastro para o mar e então bombeia “nova” água do mar para esses mesmos tanques, fazendo isso de forma sequencial e planejada de antemão para que a estabilidade não seja comprometida e os esforços exercidos sobre o casco não ponham em risco o seaworthiness da embarcação. Já no segundo método, chamado de “Método do Fluxo Contínuo”, bombeia-se água do mar para dentro dos tanques pelas tubulações na parte inferior deixando que eles transbordem até que uma quantidade equivalente a um mínimo de 3 vezes o volume de cada tanque seja bombeada, assegurando assim uma troca eficiente também de 95%. Por fim, no terceiro método, o “Método da Diluição”, a água do mar é bombeada pelo topo dos tanques e deixada sair pela tubulação na parte inferior até que uma quantidade equivalente a um mínimo de 3 vezes o volume de cada tanque seja bombeada, assegurando também uma troca eficiente de 95%. Estes dois últimos métodos são preferíveis sobre o primeiro quando mar com condições severas impedem que a troca utilizando o “Método Sequencial” seja realizada com segurança. Mas vale lembrar que o método a ser utilizado deve constar no Plano de Gerenciamento de Água de Lastro (este será abordado mais pra frente), pois forças estruturais estão envolvidas e devem ser mantidas em níveis aceitáveis sempre.

Um resumo das medidas recomendadas pelas Resoluções referentes ao gerenciamento e controle de água de lastro e que se tornaram diretrizes para a elaboração do Plano de Gerenciamento de Água de Lastro, parte da Convenção, seria: Minimizar a captação de organismos durante o carregamento de lastro, evitando áreas no porto onde se tem conhecimento de que populações de espécies nocivas ocorram, em águas rasas e na escuridão, quando organismos que vivem no fundo do mar podem subir na coluna d’água; Limpar regularmente os tanques de lastro, removendo o lodo e sedimentos acumulados que podem hospedar organismos nocivos; Evitar descarga desnecessária de água de lastro na área do porto; Realizar a troca dessa água em águas profundas, recolocando água limpa de mar aberto; Não liberar ou liberar o mínimo de água de lastro possível; Descarregar a água em instalações de recebimento e tratamento adequadas.

No passado, foi descoberto que a água captada em alto mar possui características biológicas e físico-químicas diferentes daquela porção de água encontrada próxima à costa e em regiões estuarinas. E ainda, que essa água encontrada distante do litoral não é tão rica em micro-organismos e nutrientes como a da região costeira. Estudos apontaram que dificilmente esses micro-organismos que vivem em regiões costeiras conseguem sobreviver em alto mar, e vice-versa. Por muito tempo então, acreditou-se que o método da troca de água de lastro era o mais indicado para conter a invasão de espécies exóticas. Mas, apesar de tudo, provou-se que este não é 100% eficiente: alguns ainda acabam sobrevivendo. Foi então que a Convenção endereçou o problema de um ponto de vista diferente: ela criou prazos para que a Norma de Troca de Água de Lastro desse lugar a Norma de Desempenho de Água de Lastro. Tornando a transição simples de ser entendida, podemos dizer que ao invés de trocar a água de lastro em alto mar antes de adentrar nas águas de um Estado costeiro, agora os navios serão obrigados a ter sistemas para tratar a água até um padrão de desempenho baseado em números definidos de organismos por unidade de volume e aceito pela IMO de forma a eliminar organismos presentes nela. E isso podendo ser feito no porto, ao mesmo tempo em que operações de carga acontecem.

Não apenas se referindo à troca e ao tratamento da água, a Convenção também trata de outras formas de gerenciamento. Ela estabelece que os navios devam possuir um Plano de Gerenciamento de Água de Lastro aprovado como parte integrante de seus manuais operacionais a bordo e que este esteja em conformidade com as diretrizes da Resolução A.868(20), um Certificado Internacional de Gerenciamento de Água de Lastro que ateste que o Plano esteja de acordo com o que diz a Convenção, e ainda um Livro Registro de Água de Lastro mantido a bordo, que servirá para fins de inspeção por parte das Autoridades para averiguarem que o Plano e as regras contidas na Convenção estejam sendo de fato postas em prática e para cruzar informações quando da ocasião de amostragem da água. Já os Estados, esses devem dispor de instalações em terra para a manipulação e descarte definitivo de sedimentos provenientes de tanques de lastro, áreas designadas específicas ou de contingência para troca dessa água que não sejam próximas à áreas sensíveis e ainda promover e facilitar a pesquisa científica e técnica sobre o gerenciamento de água de lastro.

A situação atual

Quatro outras razões hoje conhecidas indicam que a troca de água de lastro pode não ser apropriada para todos os navios. Elas são: O arranjo de tubulações, o bombeamento do lastro e condições de carregamento aprovados podem proibir a realização de troca em alto mar; O navio pode não estar em condições de conduzir a troca porque a rota tem distância da terra mais próxima e profundidade insuficientes; Conduzir a troca depende de condições climáticas e de superfície do mar favoráveis; Tempo requerido até que toda a troca esteja completa.

Com o entendimento de que a troca de água de lastro não seria mais a solução eficiente em longo prazo, principalmente devido a aspectos operacionais e técnicos das embarcações citados acima, a Convenção trouxe um esquema para transição gradual até que o uso de sistemas de tratamento de água de lastro substituísse por completo a operação de troca de lastro. Vale aqui dizer que o Documento inicialmente falava em prazos em função da capacidade de lastro que o navio pode carregar e também de acordo com o seu ano de construção. Mas em relação a essa transição, o MEPC, em seu septuagésimo primeiro encontro, alcançou um acordo de compromisso em adiar os prazos para a instalação de sistemas de tratamento tendo em vista que a Convenção levou muito tempo para entrar em vigor – mais de 13 anos.

Com isso, na prática, todos os navios construídos antes de 8 de setembro de 2017 e que estejam engajados em viagens internacionais são requeridos a gerenciar essa água em cada viagem trocando-a de acordo com a Norma de Troca de Água de Lastro (Regra D-1), definida no Documento, até a data de vistoria de renovação do seu Certificado Internacional de Prevenção da Poluição (IOPP Certificate) ocorrendo após 8 de setembro de 2019. Apenas após essa renovação o tratamento de acordo com a Norma de Desempenho de Água de Lastro (Regra D-2) por um equipamento certificado passa então a ser mandatório para esses navios. Para navios novos que tiverem seu início de construção após a entrada em vigor da Convenção, a Regra D-2 já passa a valer de imediato e estes já devem ser entregues com um sistema de tratamento instalado a bordo.

Estima-se que mais de 60.000 navios vão precisar de soluções para tratamento dessa água. A maioria é esperada cumprir com a instalação de sistemas fixos de tratamento. E para alguns, haverá a necessidade de modificação estrutural e de equipamentos para o completo endereçamento do controle. Em 8 de setembro de 2024 a transição deverá estar completa e todos os navios já deverão ter instalados esse sistema.

            A Convenção requeria que uma revisão fosse realizada pra determinar se tecnologias estão disponíveis para alcançar o padrão contido na Norma de Desempenho de Água de Lastro. O Comitê de Proteção do Meio Ambiente Marinho conduziu então um número de revisões e constatou que tecnologias estão sim disponíveis para alcançar o padrão contido na Regra D-2.

            Após emendas à Convenção, a Regra D-3 requer que sistemas de gerenciamento de água de lastro utilizados para cumprir com a Convenção devam, a partir de 28 de outubro de 2020, ser aprovados pela Administração do Estado da bandeira do navio levando-se em conta obrigatoriamente o Código para Aprovação de Sistemas de Gerenciamento de Água de Lastro (BWMS Code), adotado pela Resolução MEPC.300(72) em 13 de abril de 2018, e que entrará em vigor em 13 de outubro de 2019.

Diversas formas de tratamento já vinham sendo estudas ao longo dos anos, enquanto a Convenção não entrava em vigor e os Estados e empresas se adequavam ao que estaria em vigência em alguns anos. Qualquer forma de controle desenvolvida deve alcançar certos critérios, incluindo: Ser seguro; Ser ambientalmente aceitável; Ter bom custo-benefício; Deve funcionar. Hoje, a indústria conta com mais de 60 tipos de equipamentos testados e certificados que atendem ao nível mínimo de eficiência que sistemas de tratamento dessa água devem atender para serem aprovados pela IMO e utilizados pelos navios. Os métodos que vêm sendo considerados compreendem: Métodos de tratamento mecânicos como filtragem e separação; Métodos de tratamento físicos tais como esterilização por ozônio, luz ultravioleta, corrente elétrica e tratamento térmico; Métodos de tratamento químicos como adição de biocidas na água de lastro para matar os organismos; Combinações dos métodos citados. Com isso, a água pode ser despeja diretamente em regiões portuárias ou estuarinas.

Os Estados hoje já constatam por amostragem, medição e análise da água, a eficácia e impactos negativos de qualquer tecnologia ou metodologia. Para reduzir a bioinvasão, o tratamento da água de lastro torna ineficazes 99.9% dos organismos vivos presentes na água de lastro. Apesar disso, é preciso a contínua coordenação e cooperação entre Estados e a indústria na pesquisa em relação a todos os aspectos do problema, tendo em vista que ainda não temos um sistema 100% eficaz contra a bioinvasão. Os Estados também devem possuir locais designados para a manutenção e limpeza de tanques, que precisam estar preparados para receber sedimentos acumulados que são retirados dos navios. Diversas outras Diretrizes da IMO ajudam a cumprir esse requerimento da Convenção.

Considerações finais

Com uma estimativa de 5.000 espécies transportadas pela frota mercante mundial diariamente, e com uma espécie marinha invadindo a cada 9 semanas um novo ambiente em algum lugar do globo, a transferência de organismos vivos nocivos presentes na água da lastro de navios, bem como a transferência por incrustações no casco, constituem o segundo dos quatro maiores problemas enfrentados pelos oceanos. Fontes terrestres de poluição marinha, exploração excessiva dos recursos biológicos do mar e alterações ou a destruição física do habitat marinho completam a lista.

            Embora esforços internacionais tenham alcançado vitórias em forma de legislações tentando conter a bioinvasão e promovendo a conservação e uso sustentável dos ecossistemas marinhos e costeiros, casos de invasão de espécies exóticas ainda são relatados em várias partes do mundo.  E isso não vai diminuir, a menos que medidas já em vigência sejam rigorosamente fiscalizadas e novas regras sejam criadas. Como parte das medidas adotadas, a tecnologia possibilitou que estudos fossem feitos de forma abrangente e dinâmica, dando resultados em forma de soluções para o impedimento da disseminação de organismos aquáticos invasivos, que podem destruir a biodiversidade local ou de um Estado inteiro. Mas não devemos nos enganar: há ainda muito a ser feito!

Devido à sua vasta extensão de litoral e rios, sua diversidade de biomas e o tráfego mercante crescendo a cada ano, o Brasil sempre esteve e sempre estará vulnerável à introdução de espécies exóticas vindas de fora. Dependemos da exploração consciente de nossas águas, com a pesca, o turismo e a obtenção de recursos naturais. E com essas atividades acontecendo não apenas no nosso Mar Territorial, alcançando 12 milhas náuticas a partir da linha base, mas se estendendo também até o limite de nossa Zona Econômica Exclusiva (ZEE), que chega a 200 milhas náuticas, qualquer alteração causada por espécies invasores e nocivas afetam significativamente o seu resultado, podendo acarretar até mesmo em sérios problemas de ordem econômica e de saúde pública.

Para finalizar, a indústria naval e entidades ligadas a ela também têm se mostrado preocupadas com o assunto. Participando do Grupo de Trabalho que trata da matéria no Comitê de Proteção ao Meio Ambiente Marinho da IMO, ou através de treinamentos de capacitação humana, elas não deixam de continuar buscando parcerias em novas formas de combater o problema. Como exemplo, a International Association of Independent Tanker Owners (Intertanko) e a International Chamber of Shipping (ICS) publicaram juntas um guia com um modelo de Plano de Gerenciamento de Água de Lastro.

Agora com a Convenção em vigor e as empresas se apressando para implementar as mudanças em seus navios, vamos acompanhar mais uma evolução do transporte marítimo, a busca contínua por novas tecnologias e ainda o resultado dessas medidas. Os Estados, eles também têm muito que fazer.