O ÓDIO AS UNIVERSIDADES FEDERAIS

14/10/2019 13:43

Por Antonio Peixoto, Jornalista, Bacharel em Direito e Mestrando em Comunicação

O ódio à educação pública superior tem sido externado pelos discursos governistas que acusam as instituições de serem palco de “balbúrdia” estudantil e gerar pesquisas científicas esdrúxulas. O fato é que esse discurso começou há pelo menos uma década, de forma tímida. Mas hoje ele repercute porque é dito por uma autoridade seguida por muita gente sobretudo nas redes sociais digitais como uma caixa de ressonância.

Qualquer desavisado que circule pelos corredores universitários ou tenha alguma vez tido acesso ao Lattes, que é público, de algum formando ou algum docente sabe que essas são facetas bizarras que fazem parte de uma insignificante amostragem que não condiz com a totalidade. Manifestações bizarras ocorrem? Sim, numa escala ínfima, mas é como acusar uma torcida inteira de um time de futebol pelos atos de meia dúzia de arruaceiros e fanfarrões. O mais grave é que pessoas inteligentes estão disseminando tal mentira nas redes e introjetando essa ideia maldosa às discussões do dia a dia.

Acontece que esse ódio advém do interesse das elites conservadoras em manter o monopólio da formação profissional e do conhecimento concentradas em si. Conservar significa manter as coisas como estão ou estavam antes da mudança, não é nada maléfico, mas pode ter consequências nefastas dependendo do contexto. Com as políticas de inclusão de jovens fora dessas elites, o acesso de negros, pardos, alunos de ensino médio e candidatos de baixa renda aumentou. Sob a ótica conservadora, Isso “tirou” muitas vagas de quem cursava o ensino médio em escolas particulares e que, no ensino superior, ao invés de seguir a trajetória acadêmica na esfera privada pelas melhores condições financeiras, acabava nas instituições federais.

E porque o ensino federal é tão atrativo assim? Porque detém prestígio inversamente proporcional à escola pública, volume de investimentos condizentes e ótima avaliação institucional. Segundo o MEC, em 2018, as 10 melhores universidades do Brasil foram todas públicas, oito delas federais. Hoje quase dois terços dos universitários das federais (64,7%) cursaram o ensino médio em escolas públicas, segundo uma pesquisa da ANDIFES entre 2003 e 2014, evidenciando um panorama que incomoda os conservadores.

Neste mesmo período pesquisado, o número de alunos negros triplicou no ensino superior federal e o grupo de negros pardos passaram a representar nos últimos três anos 47,5% do total de estudantes das universidades federais. Em 1997, apenas 2,2% de pardos e 1,8% de negros, entre 18 e 24 anos cursavam ou tinham concluído um curso de graduação no Brasil. A organização destaca ainda que dois terços dos universitários têm origem em famílias com renda média de 1,5 salário mínimo. Ou seja, o ensino que historicamente era excludente, passou a incorporar parcela da população que ficava à margem do acesso e da qualificação profissional que tanto o mercado de trabalho exige.

Mas esse discurso de ódio hoje é mais preocupante porque também recebe, com aplausos, a adesão de uma parte da sociedade que, ou não teve acesso a esta educação antes da redemocratização do ensino ou se viu obrigada a pagar por uma faculdade privada. Na primeira hipótese são cidadãos com menos escolaridade das classes médias e baixas que ainda estão fora do ensino superior e no segundo caso são cidadãos mais velhos que geralmente trabalham para manter cursos particulares (muitos à distância) em instituições de menor prestígio, quando conseguem tal êxito. De acordo com pesquisa realizada pelo Censo da Educação Superior em 2016, mais de 1,5 milhão de alunos estavam inscritos nas instituições EaDs. Pessoas entre 31 e 41 anos são as que mais optam por fazer a EaD em cursos totalmente à distância

Mas como o ódio das elites pela universidade que chega a todos é o mesmo das classes que não tiveram os meios nem as oportunidades de estarem abraçados neste ensino? É que a ascensão social das classes dominantes aqui é vista como objeto de protecionismos cuja necessidade de criar barreiras é a própria sobrevivência dessa dominação. Daí ser contra o sistema de quotas criado em 2013 que garante o ingresso de 32% dos estudantes em 63 instituições federais brasileiras e outros mecanismos de equilíbrio e justiça são atacados. Ao mesmo tempo a gritaria dos excluídos é contra aqueles que não oportunizaram a estas pessoas o acesso e a ascensão social por meio da educação pública e ainda geraram o infortúnio do sacrifício financeiro. Esse ódio ainda se manifesta contra os que foram exitosos diante dos duros e excludentes processos de ingresso neste sistema. Mistura de inveja e vingança, sentimentos individualistas que se assemelham ao egoísmo das elites, mas que não possuem racionalidade.

Enquanto as elites racionalizaram os motivos dessa repulsa por meio de práticas que atacam a democracia na educação, as classes que não estão inclusas atacam o sistema que as excluiu sem que haja empatia por quem, numa mesma condição social, obteve o acesso ao ensino – desta forma retroalimentando um sistema conservador que serve apenas ao domínio. Nenhum país que cresceu como sociedade e como uma economia forte, excluiu o mais pobre da educação. Foi justamente o contrário. Apenas 14% dos adultos brasileiros chegam ao ensino superior, percentual considerado baixo se comparado à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico que é de 35%. A Coréia do Sul, Japão, Austrália, EUA, Israel e Canadá possuem índices superiores a 40%. Portanto, o ódio e o retrocesso não vão nos levar a nenhum lugar melhor do que já estamos.

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